No Réquiem de Mozart, existe um trecho – Offertorium – que há muito tempo me deixou perplexa e me fez pensar. Até hoje é um mistério para mim o que escutei e escuto. Uma experiência auditiva muito individual e específica, mas acho que vale a pena registrá-la.
Offertorium
Domine Jesu Christi, Rex gloriae,
libera animas omnium fidelium
defunctorum de poenis inferni
et de profundo lacu.
Libera eas de ore leonis,
ne absorbeat eas tartarus,
ne cadant in obscurum
Sed signifer sanctus Michael
repraesentet eas in lucem sanctam
Quam olim Abrahae promisisti
et semini ejus.
Ofertório
Senhor Jesus Cristo, Rei da glória,
liberta as almas de todos os fiéis
defuntos das penas do inferno
e do lago profundo.
Liberta-as da boca do leão,
que não sejam tragadas pelo Tártaro,
nem caiam nas trevas.
Mas que o santo porta-estandarte Miguel
as represente na luz santa.
Como outrora prometeste a Abraão
e a toda sua descendência.
Na interpretação do maestro Herbert von Karajan, acontece uma coincidência quando as vozes se sobrepõem umas às outras ao cantar o texto. Trata-se de uma coincidência específica, porque não a encontrei nas interpretações de outros maestros. E também porque essa coincidência faz soar uma frase em português, minha língua que está longe de ser amplamente conhecida.
Trata-se do final do texto, quando cantam Quam olim Abrahae promisisti. A superposição das vozes resulta em
aaaaaaaaaaaaaaAmor é carne Amor existe.
Neste Natal, quando “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”, é um alento de esperança em nossas preces escutar que
aaaaaaaaaaaaaaaaaaAmor existe.