The Past is such a curious Creature
To look her in the Face
A Transport may receipt us
Or a Disgrace —
Unarmed if any meet her
I charge him fly
Her rusty Ammunition
Might yet reply.
Emily Dickinson
O passado é uma estranha criatura
Olhar nos seus olhos
Um Arrebatamento pode nos colher
Ou Abrolhos —
Desarmado se alguém a encontrar
Eu lhe ordeno, fuja
Sua Munição enferrujada
Ainda pode replicar.
Rosaura Eichenberg
Por acaso, entrei em contato com alguns textos de um autor chamado Vitor Bertini da região sul do Brasil. A leitura de suas histórias curtas me fascinou porque vislumbrei alguém arregaçando as mangas e pondo mãos à obra para cumprir a difícil tarefa de escrever pra valer. A literatura está sempre à espera de quem a realize, e fiquei agradavelmente surpresa com as faíscas espargidas por Vitor Bertini numa época em que a escuridão parece encobrir os esforços literários.
Engenheiro, interessado em saneamento básico, Vitor Bertini teve até um site sobre o tema – www.h2oeco.br. Já ocupou cargos de chefia em órgãos de saneamento como a CORSAN – Companhia Riograndense de Saneamento – e a AESBE – Associação das Empresas de Saneamento Estaduais. Formação e interesses aparentemente alheios a um escritor – na verdade, nada é alheio a quem se debruça sobre a vida e sobre uma folha de papel em branco.
Em 2019, ele lançou na Feira do Livro de Porto Alegre seu primeiro livro de ficção: Não me abandones – a saga de Bénya Kirk, um cão de rua, contada pela família que ele adotou. O livro saiu por Esquina do Lombas e pode ser encontrado em Amazon.
“Escrever”, diz Vitor Bertini, “é a soma da vida que vivi com os sonhos que ainda tenho.”
Para ler textos de Vitor Bertini, aqui vai o link de “A História da Sexta”.
https://ahistoriadasexta.substack.com
Rosaura Eichenberg
Nas minhas leituras caóticas pela vida inteira, encontrei mais de uma vez relatos sobre o céu e sobre o inferno. É verdade que não li a Divina Comédia de Dante, mas ainda bem jovem li Paradise Lost de Milton, e em muitos outros livros vi aparecer uma legião de demônios. Eles são muito mais frequentes que as figuras divinas, e sua diversidade se revela nas inúmeras alcunhas que recebem. Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa arrola a multidão de nomes do diabo em português.
O que sempre me chamou a atenção foi a riqueza das descrições diabólicas, os muitos detalhes e discursos. Em comparação ao inferno, o céu surge em geral monótono, uma peça teatral sem ação. Em Paradise Lost, Satã é de longe a personagem que mais atrai a atenção do leitor.
Pensando com mais cuidado, compreendi que os humanos temos mais familiaridade com os demônios que com os seres divinos. O engenho humano como que se vê sem palavras diante do divino, mas nada de braçada nas artimanhas do demônio, principalmente porque é na linguagem que ele arma seus múltiplos enganos.
Sem conflitos no céu, não sabemos como escrever sobre algo que nos é desconhecido. A distância entre o patamar humano e o divino é avassaladora. Só para mencionar um aspecto talvez pequeno – Deus é eterno, a vida do homem na Terra não o é. Nós estamos montados num vetor do tempo, por isso a nossa compreensão tem de lidar com o tempo. Imagine-se a dificuldade de escrever uma história em que os verbos são conjugados apenas no presente.
Aspiramos ao céu, à eternidade, à perfeição – talvez pelo grão divino que abrigamos em nossas almas. Mas emudecemos, quando desejamos falar sobre “the undiscovered country from whose bourn no traveller returns”.
O engenho humano como que se vê sem palavras diante do divino, mas há uma linguagem que se aproxima do céu – a música.
Rosaura Eichenberg