de revoada

19.06.2021 – Wuthering Heights

A Inglaterra do século XIX presenciou um enxame de romancistas. Foi nesse período que Emily Brontë escreveu um único romance intitulado Wuthering Heights – em português, O Morro dos Ventos Uivantes – publicado em 1847. Ao morrer em dezembro de 1848, Emily Brontë tinha 30 anos, e que tenha produzido uma obra de gênio com essa idade continua a espantar seus leitores.

A família Brontë vivia em Haworth na região de West Yorkshire na Inglaterra. A mãe morreu cedo, e foi o pai pastor que procurou cuidar dos quatro filhos sobreviventes (o casal teve seis filhos). As três filhas, Charlotte, Emily e Anne, começaram a escrever desde muito cedo, apenas o filho Patrick Branwell não se aventurou pelo mundo da escrita. Charlotte Brontë, a irmã mais velha, estabeleceu até uma carreira literária que a tornou famosa. Mas seus romances de grande talento são modestos perto do único romance de sua irmã Emily.

Emily Brontë construiu seu romance no cenário de sua região natal, uma área inculta de morros cobertos de vegetação rasteira como as urzes. São os famosos “Yorkshire moors”, em português, os urzais de Yorkshire. A tradução “charneca” refere-se a outra possibilidade de significado, isto é, terreno pantanoso com muita areia, mas os ingleses compreendem “moors” principalmente como um terreno agreste com arbustos e grama rasteira numa ondulação de morros não muito altos.

O título do romance pode induzir a leitor a pensar numa região montanhosa, o que não é bem o caso. Wuthering Heights [Morro dos Ventos Uivantes] é o nome de uma propriedade rural no romance, assentada num morro fustigado pelos ventos. O romance é estruturado pelo contraste entre essa casa assolada pelo rugido das ventanias e outra propriedade rural situada na área plana mais embaixo, um terreno ao abrigo das intempéries. Se essa segunda casa representa uma vida já imbuída de aspectos civilizados, Wuthering Heights prima pela selvageria da natureza e pelos instintos humanos desenfreados. Não é à toa que no início do romance as três pessoas que habitam a casa de pouco conforto se odeiam e fazem de tudo para se maltratar umas às outras.

O personagem principal do romance se chama Heathcliff. Literalmente, penhasco do urzal. De origem obscura, talvez cigano, ele chegou a Wuthering Heights ainda menino, adotado pelo senhor da casa. Tratado como membro da família, mas ainda assim um estranho, ele tem uma linha de vida tortuosa, impulsionada pela paixão, pelo ressentimento, pelo ódio. Por meios nem sempre corretos, acaba adquirindo as duas propriedades rurais, a dos ventos ruidosos e a das brisas amenas. Mas isso não lhe proporciona nada de valioso na interação entre os personagens das duas casas, nem na interlocução consigo mesmo. O tempo não consegue mudar Heathcliff, ele não é flexível. É antes o penhasco cada vez mais em estado bruto.

Muitos artistas se debruçam sobre a natureza humana e recuam diante do que observam por não ser agradável. Desviam o olhar, camuflam os sentimentos e escrevem belas obras no vestíbulo, sem se atreverem a entrar na casa. Emily Brontë não recuou diante da natureza de seus personagens, observou Heathcliff sem tremer, olhos nos olhos. Por isso, considero seu romance uma obra de gênio, que proporciona a seus leitores a oportunidade de acompanhar o que pôde vislumbrar.

Há algum tempo, ao procurar fotos do cenário em que se desenrola esta obra-prima, eu me deparei com algo curioso. Queria fugir das imagens clichês das capas do livro, com árvores fustigadas pelo vento. Preferia fotos da região, dos urzais, do pequeno rio. Muitas fotos foram aparecendo, e a escolha se fazia difícil. Quando me decidi por uma ou duas, tive uma surpresa. Essas não são da Inglaterra, me disseram, mas do Rio Grande do Sul. Contemplei perplexa a semelhança da paisagem dos urzais da terra de Emily Brontë com os pampas da minha terra. Uma coisa é certa – a natureza não é amável nestas duas regiões, mas pode descortinar muita beleza a quem ali vive.

 

Rosaura Eichenberg

13.06.2021 – Santo Antonio

 

Recupera-se o perdido,

Rompe-se a dura prisão,

E no auge do furacão

Cede o mar embravecido

 

Santo Antonio,  rogai por nós.

 

 

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