de revoada

16.10.2020 – O Grande Ditador por Charlie Chaplin

 

A realidade dos fatos está eivada de contradições, enigmas quase impossíveis de serem elucidados. Talvez ela seja realmente simples, mas não para a mente humana sempre precária. Cabe aos humanos a luta constante e vã para iluminar, apesar de todos os perigos, as várias facetas da realidade.

Charlie Chaplin realizou uma obra-prima (mais uma entre tantas) em plena Segunda Guerra Mundial, O Grande Ditador. O filme versa sobre a ameaça totalitária de um Hitler nazista e de um Mussolini fascista, focalizando a perseguição aos indivíduos judeus e não-judeus. Estreou nos Estados Unidos em outubro de 1940, um ano antes de os americanos entrarem na guerra depois do ataque a Pearl Harbour em dezembro de 1941. O sucesso foi grande tanto entre os americanos como entre os europeus após a estreia no Velho Continente. Hoje em dia a película é aclamada como a obra de arte que realmente é, além de ser saudada como peça de resistência à ameaça totalitária das potências do Eixo na Segunda Guerra.

Em seu livro My Autobiography (1964), Charles Chaplin revela as contradições que acompanharam a realização de O Grande Ditador.  A mais surpreendente foi saber que ele realizou o filme praticamente com seus próprios recursos.  Ninguém quis financiar sua aventura, nem os judeus ricos de Nova York. Todos alegavam que não era bom atacar Hitler, que isso seria contraproducente para a solução dos conflitos geopolíticos então em andamento.

Charles Chaplin foi muito atacado nos Estados Unidos, por suas ideias que diziam ser socialistas ou até mesmo comunistas. Ele chegou a ser submetido a um julgamento por uma acusação caluniosa, no qual foi absolvido porque prevaleceu a justiça. Nos anos 50, porém, as forças que o atacavam conseguiram expulsá-lo dos Estados Unidos.  O surpreendente é saber que essas forças atacaram sobremaneira o seu filme O Grande Ditador.  O que mais lhes desagradou foi a cena final, quando Charles Chaplin como que sai da trama ficcional e profere um discurso contra a perseguição aos indivíduos, no caso os judeus, e em favor da paz. Em retrospectiva, não é raro as contradições aflorarem com grande ímpeto.

Ainda na sua autobiografia, Chaplin relata que no final de 1940 compareceu a uma cerimônia na Casa Branca, e que o único comentário de Franklin D. Roosevelt sobre O Grande Ditador foi: “O seu filme está nos causando problemas na Argentina.”

Eleanor Roosevelt at FDR’s third inaugural ball, tonight 1941, with Mickey Rooney and Charlie Chaplin, who had just made “The Great Dictator”

Que ninguém se iluda, a mente humana é precária e a dança das ideologias é macabra. Mas cumpre lembrar que os grandes artistas sabem fazer soar de vez em quando os acordes magníficos da verdade pressentida.

 

 

Rosaura Eichenberg

Copyright 2012 © Todos os direitos reservados à Íbis Literatura & Arte