“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte e, quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.” Assim começa o recado de Machado de Assis ao leitor antes de seu romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Em que pese a ironia, ele parecia falar a sério sobre a dificuldade de seu livro ser compreendido e apreciado por muita gente. Recordando minhas várias leituras de suas obras ao longo da vida, vejo que sempre o considerei um escritor difícil. Principalmente para os jovens, pois me parece cada vez mais que um dos requisitos para sua compreensão é já ter na bagagem cultural alguma experiência de vida. Por isso, foi com surpresa e espanto que li nos jornais deste maio de 2014 a notícia de que uma escritora de livros para crianças vai reescrever Machado de Assis a fim de torná-lo mais palatável aos jovens, e que, para essa tarefa, recebeu subsídio do Ministério da Cultura. Segundo as reportagens, a facilitadora de Machado reescreve o texto – seu primeiro alvo é o conto “O Alienista” – substituindo termos em desuso por expressões empregadas em nossos dias. Ora, a linguagem machadiana nunca foi de difícil compreensão por causa de termos antiquados, aliás coisa que, em caso de real necessidade, seria resolvida com um glossário anexado ao livro. A única maneira de facilitar Machado de Assis é destruí-lo, isto é, transformá-lo no que ele não é – um escritor fácil. Além do mais, o recurso estilístico mais empregado por Machado é a ironia, construída de forma sutil. Será que, com sua troca de palavras, a facilitadora de Machado de Assis não sente o risco de mexer em algo inconsútil? O Ministério da Cultura empregaria seus recursos com mais inteligência, se os utilizasse para preparar os jovens brasileiros a enfrentar as dificuldades de compreender o que pensou, sentiu e expressou nosso maior escritor.