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Matéria de Capa

A Amizade entre Emily Dickinson e Thomas W. Higgison

Em seu livro White Heat [Wineapple, Brenda.  White Heat. The Friendship of Emily Dickinson & Thomas Wentworth Higgison. Nova York, Anchor Books, 2009] , Brenda Wineapple narra e analisa a amizade entre Thomas Wentworth Higgison (1823-1911), homem de letras e homem de ação, jornalista, ensaísta, pastor protestante, ativista em prol da abolição da escravatura, coronel na Guerra da Secessão, e a poeta americana Emily Elizabeth Dickinson. A troca de cartas se iniciou em 1862, quando Higgison, então com 38 anos e ainda sem participar da guerra em andamento, publicou na revista cultural The Atlantic Monthly um artigo intitulado “Carta a um Jovem Colaborador”, no qual dava dicas sensatas a quem desejava enviar textos para a revista, junto com alguns conselhos didáticos sobre como escrever. Foi em resposta a esse artigo que Emily Dickinson, à época com 32 anos, enviou uma carta e alguns poemas para perguntar a Higgison se o seu verso tinha vida. A amizade se estendeu e consolidou até a morte da poeta em 1886, ainda que houvesse por vezes longos intervalos entre as cartas, e ocorreram, ao que se saiba, dois encontros pessoais entre os missivistas. Higgison deixou registrado o primeiro encontro na apresentação que escreveu sobre Emily Dickinson, quando também revelou algumas das cartas que recebeu da poeta.

assinatura (Small)

Emily Dickinson não escrevia poemas simples, antes escrevia como quem propõe enigmas. Poucas pessoas na época compreendiam seus versos, escritos talvez para os séculos seguintes. Mas arrisco-me a dizer que, mesmo neste século XXI, ainda são muitos os que recriminam seus poemas por não serem compreensíveis, como se isso fosse deficiência da poeta, e não de seus leitores. Dada a dificuldade de sua expressão, estudiosos da vida e obra da poeta americana têm concluído que Thomas W. Higgison foi um homem de letras que não soube compreender o gênio de Emily Dickinson, desaconselhando a publicação de poemas e alterando-os ou regularizando-os ao participar das primeiras publicações após a morte da poeta. É essa visão que o livro de Brenda Wineapple vem  ajustar por trazer nova luz ao papel de Higgison na vida de Emily Dickinson.

Apesar de abolicionista, defensor do voto feminino e muitas outras bandeiras libertárias, Thomas Higgison conformava-se às convenções da época, e não resta dúvida de que não tinha meios de avaliar a poesia de Emily Dickinson. Como sua esposa, tendia a aceitar a noção de que a poeta com sua vida reclusa e seu modo extravagante de falar e escrever tinha o seu grão de loucura. Mas isso não o impediu de sentir que estava diante de um talento raro, de poemas muito acima do padrão habitual. E o mais importante é que havia alguém que buscava e nunca deixou de buscar seu juízo poético, a própria Emily Dickinson. Ela lhe escrevia enviando poemas, requisitando e em geral ignorando críticas e sugestões, comentando ensaios de Higgison que lera nos periódicos da época, pedindo que escrevesse uma carta desaprovando a publicação de alguns poemas para se esquivar das pressões de amigos que desejavam vê-los divulgados. Em suma, Higgison tornou-se um seu interlocutor, com quem ela trocava ideias e compartilhava leituras. Muitas vezes ela dava a sua versão, sempre original e surpreendente, para algum tema trabalhado por Higgison. E cabe ainda mencionar que não deixou de acolher Higgison com delicadeza, quando ele a visitou pela primeira vez em 1870, numa época em que já vivia bastante reclusa, evitando a companhia de amigos e os encontros sociais.

Isso vem contradizer a imagem um tanto irreal de uma poeta dedicada apenas a seus afazeres domésticos, fazendo o pão da casa e cuidando de seu jardim. Além de Higgison, ela soube manter uma plêiade de amigos e conhecidos, com quem trocava cartas discutindo leituras, temas intelectuais, espirituais e morais. E suas leituras eram substanciosas, desde Emerson, as irmãs Brontë, George Eliot, Keats, Robert Browning e Elizabeth Barrett Browning até o Apocalipse e Shakespeare. A alusão constante a Shakespeare em seus escritos revela que esse era um texto tão presente em sua vida como o jardim de que cuidava, e que sua pergunta retórica a Higgison a respeito do dramaturgo inglês estava longe de ser mero exagero: “Por que é necessário outro livro?” Embora à distância, a poeta vivia por meio de suas cartas num ambiente intelectual refinado e estimulante.

Mesa de trabalho perto da janela do quarto de Emily Dickinson

Mesa de trabalho perto da janela do quarto de Emily Dickinson

Outra questão que a amizade com Higgison pôs em evidência foi a de uma possível publicação dos poemas. Apesar de protestar que a ideia de tornar públicos seus versos estava “tão longe de seu pensamento como o firmamento da barbatana”, Emily Dickinson tinha consciência de que escrevia poemas credenciados para a imortalidade. E sentia necessidade de partilhar seus escritos, a despeito de sua aversão à vida social. O que ela reuniu, na realidade, foi uma audiência seleta de amigos e conhecidos a quem enviava cartas quase sempre recheadas de versos. Apenas para a cunhada, Susan Dickinson, teria encaminhado cerca de duzentos poemas. Outras correspondentes constantes foram as primas Norcross, filhas da tia Lavínia Norcross, irmã mais moça de sua mãe, com quem Emily Dickinson manteve um forte relacionamento afetuoso desde criança. Foi com as primas Norcross que Emily Dickinson passou vários meses em Boston (nos anos de 1864 e 1865) para se submeter a um tratamento dos olhos. Alguns professores e colegas da juventude também tiveram o privilégio de se corresponder com a poeta, e cabe mencionar particularmente Leonard Humphrey, professor e amigo que vislumbrou o talento poético de uma Emily ainda bem jovem, e que, mesmo depois de sua morte prematura, continuou a ser reverenciado e chamado de “mestre” por ela. E Helen Hunt Jackson, poeta e escritora, que reconhecia o valor da poeta e pressionava para que ela publicasse seus escritos. A cunhada Susan Dickinson, Helen H. Jackson e Leonard Humphrey talvez tenham sido os únicos a reconhecer o gênio de Emily Dickinson enquanto essa ainda vivia.

Outros correspondentes eram amigos de seu pai ou de seu irmão, merecendo menção especial o juiz Otis Phillips Lord, com quem Emily Dickinson teve um relacionamento amoroso depois que a esposa do juiz morreu, um homem que tinha mais ou menos a idade de seu pai, e o jornalista Samuel Bowles, dono e editor do jornal Springfield Republican e grande amigo da família. Bowles provocou em Emily Dickinson um turbilhão de sentimentos, o que despertou a suspeita de um relacionamento apaixonado ao menos da parte da poeta. A amizade entre os dois teve realmente uma intensa troca de cartas, e Bowles foi sem dúvida o responsável pela publicação de alguns poemas em seu periódico. O casal Dr. Josiah Holland e Elizabeth Holland eram outros correspondentes frequentes por serem amigos da família, e o marido, além de romancista e poeta,  era sócio de Bowles no Springfield Republican, portanto, mais um homem de letras. Foi talvez por meio do casal Holland que Emily Dickinson fazia chegar suas cartas ao reverendo Charles Wadsworth, pastor famoso por seus sermões, com quem  a poeta entrou provavelmente em contato numa viagem a Filadélfia em 1855. A viagem foi na verdade a Washington D. C. – as duas irmãs, Emily e Lavínia, foram visitar o pai então membro do Congresso, mas na volta passaram por Filadélfia, onde permaneceram algum tempo na casa de amigos e Emily teria conhecido o pastor na igreja que eles freqüentavam. Embora tenha citado apenas alguns dos correspondentes de Emily Dickinson, é evidente que ela armou uma teia de intelectuais onde alojar seu casulo.

E, talvez por artes da cunhada ou por um furto às escondidas, alguns poemas foram publicados em vida da poeta. Na biografia escrita por Richard B. Sewall [Sewall, Richard B.  The Life of Emily Dickinson.  Nova York, Farrar, Straus and Giroux, 1980] , está registrada a publicação anônima de “I taste a liquor never brewed” no Springfield Republican (1861), de “Safe in their Alabaster Chambers” também no Springfield Republican (1862), de “Some keep the Sabbath going to church” em Round Table de Nova York (1864), de “Blazing in gold, and quenching in purple” no Springfield Republican (1864), de “A narrow fellow in the grass” no Springfield Republican (1866), e de “Success is counted sweetest” em A Masque of Poets, uma antologia de poemas para No Name Series editada por Thomas Niles da editora Roberts Brothers (1878) – o poema foi pouco depois atribuído a Emerson.  Brenda Wineapple sublinha que os poemas foram quase todos publicados durante a guerra, uma forma de solidariedade na solitude. E apresenta uma carta da poeta a Higgison sobre a publicação do poema “A narrow fellow in the grass”, apontando uma das grandes dificuldades com os poemas de Emily Dickinson, sua edição. A poeta se queixa de que os editores alteraram e deturparam o que escreveu. O início do poema foi publicado da seguinte maneira:

A narrow fellow in the Grass
Occasionally rides;
You may have met him – did you not?
His notice instant is,

Ela reclama que não havia ponto de interrogação em “did you not?”, que as linhas 3 e 4 formavam uma só frase, como num de seus manuscritos:

 You may have met Him – did you not
His notice instant is –   

 Como quase todos os seus aproximadamente 2.000 poemas foram publicados depois de sua morte, Emily Dickinson partilha com Fernando Pessoa (mesmo com a ressalva de que o português publicou mais em vida) o destino de ter produzido uma obra dependente da leitura de terceiros. Apesar de os manuscritos terem sido preservados (encontram-se atualmente em Houghton Library na Universidade de Harvard), examinados e tratados por eruditos que se debruçaram sobre os escritos da poeta durante vários anos, sua obra sempre conterá uma dose de precariedade, ou melhor, nunca se saberá se a forma apresentada corresponde àquela criada por Emily Dickinson em todos os seus detalhes. Mas é claro que temos hoje edições esmeradas dos poemas, resultado do empenho, inteligência e sensibilidade de estudiosos da mais alta competência. E convém assinalar que, ao longo desse mais de século, a própria edição dos poemas possui uma história repleta de peripécias até mesmo novelescas.

 

Caderno preso com linha - I dreaded that first Robin, so,

Caderno preso com linha – I dreaded that first Robin, so,

Entre suas funções domésticas, Emily Dickinson preferia as de cozinhar (receitas suas de pão e doces receberam prêmios) e cuidar das plantas no jardim, o que continuava a fazer mesmo durante o inverno, porque seu pai construiu para a mulher e filhas uma estufa ao lado da cozinha. No meio desses afazeres, ela lia, redigia cartas e escrevia poemas. Não publicava seus escritos, mas deles cuidava com carinho, pois transformava os manuscritos em fascículos que ela mesma confeccionava dobrando e costurando o papel. Guardava esses caderninhos numa gaveta da cômoda no seu quarto, e consta que, durante uma época de muitas visitas à casa de seu pai, achou melhor transferi-los para um móvel no quarto da empregada a fim de protegê-los da bisbilhotice alheia. O fato de ela escrever poemas não era desconhecido no seu círculo de relações, nem mesmo na cidadezinha de Amherst, mas foi certamente uma grande surpresa para Lavínia descobrir, depois da morte da irmã, os quase 2.000 poemas na gaveta da cômoda do quarto de Emily. O irmão mais velho, Austin, era intelectual e partilhava leituras e interesses literários com Emily, mas nunca deu atenção ao que ela escrevia, dizia que não entendia suas frases. Lavínia, a mais moça, não participava da esfera intelectual dos outros dois irmãos, mas coube a ela cuidar dos manuscritos descobertos e lutar pela publicação dos poemas da irmã.

 

E aqui começa a parte novelesca do enredo da publicação dos poemas de Emily Dickinson. A novela se inicia uns quatro anos antes da morte da poeta.

 

The things that never can came back are several,

The things that never can come back are several,

A família Dickinson, o casal Edward Dickinson e seus três filhos, morava num solar na rua principal de Amherst, condizente com sua posição social de uma das famílias mais influentes da cidade. Basta mencionar que o avô, o pai e o irmão de Emily Dickinson participaram ativamente na história da universidade local. Ainda hoje Amherst é uma cidade universitária. Quando Austin, o irmão mais velho de Emily, se casou em 1856, seu pai construiu para o filho uma casa ao lado do solar da família, e a nova residência recebeu o nome de Evergreens. A esposa de Austin, Susan Dickinson, era uma jovem sagaz e refinada, de quem Emily se aproximou a ponto de lhe confidenciar sua inclinação para a poesia e querer partilhar com ela esse caminho solitário. Susan logo transformou sua casa num centro social, intelectual e cultural de Amherst, recebendo frequentemente convidados ilustres como Emerson em seus jantares e reuniões sociais. Nos primeiros anos do casamento, Emily participava desses eventos onde confraternizava, por exemplo, com Samuel Bowles e Kate Scott Anthon. Em 1859, quando ela tinha 29 anos, conta-se que o pai foi buscar Emily na casa do irmão perto da meia-noite, por não concordar que a filha ainda não estivesse em casa àquela hora tardia. Mais tarde, a partir dos seus trinta anos, a poeta foi aos poucos se isolando, evitando a companhia das pessoas, desaparecendo da vida social que acontecia na casa da cunhada. Segundo comentários colhidos de moradores da cidade, apesar de as duas casas estarem uma ao lado da outra, Emily teria passado uns quinze anos sem visitar o irmão, só cruzando o terreno em 1883, na noite em que o sobrinho Gilbert de oito anos, o terceiro filho de Austin, morreu de febre tifoide. Austin e Susan tiveram três filhos, apesar do medo de parto que Susan sentia em alto grau por causa da morte de uma irmã nessas circunstâncias, receio que deve ter contribuído para o relacionamento difícil entre marido e mulher, já comprometido pelo temperamento impetuoso e um tanto sombrio de ambos. Com a morte do pai em 1874 e a paralisia da mãe em 1875,  a vida nas duas casas continuou distante e conflituosa, apesar das festas sempre elegantes e ilustradas de Susan Dickinson.

Era esse o cenário, quando em 1881 chega à cidade o casal David e Mabel Todd, ele convidado a ser professor de astronomia e diretor do observatório astronômico em Amherst College, posição que ocupou de 1881 a 1915. O casal logo ingressou na vida social da cidade e tornou-se presença constante nas reuniões do Evergreens. O relacionamento entre o casal parece ter sido aberto, de liberdade sexual para os cônjuges; o certo é que em 1882 nasce um caso amoroso entre Austin Dickinson e Mabel Loomis Todd. Em A Educação dos Sentidos, o segundo volume de sua obra sobre a burguesia na era vitoriana, Peter Gay analisa essa relação extraconjugal do irmão de Emily Dickinson. O adultério destroçou o ambiente familiar dos Dickinson, pois gerou um afastamento hostil entre Austin, de um lado, e a mulher com os filhos, de outro, uma vez que os dois mais velhos se colocaram ao lado da mãe. Os encontros amorosos aconteciam em geral na casa das irmãs, que então moravam sozinhas, pois o pai falecera há alguns anos e a mãe veio a morrer no final de 1882, depois de longa doença e invalidez. As irmãs apoiaram o irmão, que aliás as sustentava, e Lavínia não hesitou em participar das hostilidades à cunhada. A atitude de Emily foi mais reticente. Nessa época, ela já vivia bastante reclusa e esquivou-se de conhecer Mabel Todd. Agradecia com poemas e mensagens os desenhos de plantas que Mabel lhe enviava, ou o recital de piano e canto que Mabel executou no piano da sala do solar, mas mantinha-se à parte, sem querer encontrar-se com a amante do irmão. Embora desejasse muito conversar com a famosa reclusa por ter interesses literários e artísticos próprios, Mabel Todd não conheceu Emily Dickinson em vida.

Cômoda no quarto de Emily Dickinson - os móveis originais estão em Harvard

Cômoda no quarto de Emily Dickinson – os móveis originais estão em Harvard

Em maio de 1886, três anos após a morte do sobrinho Gilbert que abalou toda a família, morre Emily Dickinson. Pouco depois Lavínia descobre na gaveta da cômoda os inúmeros fascículos e decide publicar os poemas da irmã. Sua decisão estava tomada, mas o projeto ficaria ao sabor da guerra entre as duas casas por vários anos. Susan Dickinson entreteve um diálogo de certa profundidade com a Emily poeta, tinha em mãos vários poemas avulsos ou inseridos em cartas, mas não foi ela quem ajudou Lavínia a publicá-los. Quem se encarregou da tarefa de selecionar e editar os versos para a primeira publicação foi Mabel Loomis Todd, com a ajuda de Thomas Wentworth Higgison requisitada por Lavínia. Brenda Wineapple comenta que os dois editores regularizaram vários quesitos como a ortografia, a pontuação, o uso de letras maiúsculas. Higgison julgava que os poemas deveriam receber roupagem mais convencional, mas ainda tinha um certo prurido em mexer nos versos da poeta, um cuidado que Mabel Todd nunca teve. Em novembro de 1890, sai pela Roberts Brothers de Boston o primeiro livro de poemas de Emily Dickinson.

aaaPoems by Emily Dickinson, eds. Mabel Loomis Todd and T. W. Higgison (Roberts Brothers, Boston), 1890.

Ao final de 1892, já haviam sido publicadas onze edições do livro. Em 1891, sai uma segunda série de poemas.

aaaPoems by Emily Dickinson, second series, eds. T. W. Higgison and Mabel Loomis Todd (Roberts Brothers, Boston), 1891.

Apareceram cinco edições desse livro até o final de 1893. Em 1894, Mabel Todd edita um volume de cartas de Emily Dickinson, e em 1896, mais uma série de poemas, dessa vez sem a colaboração de Higgison.

ediçaocartas (Small)acartas1931 (Small)aaLetters of Emily Dickinson, 2 vols., ed. Mabel Loomis Todd, 1894.

aaaPoems by Emily Dickinson, third series, ed. Mabel Loomis Todd (Roberts Brothers, Boston), 1896.

aaaFoi publicada uma segunda edição dessa coletânea em 1896.

 

Após a morte de Austin, Lavínia teve uma disputa com o casal Todd a respeito de um terreno que Austin teria doado a Mabel Todd pelo seu trabalho de editar os poemas de Emily Dickinson. A briga acabou na justiça, e Lavínia venceu a ação. A guerra entre as casas não arrefecia, e, com a morte de Lavínia e Susan Dickinson, continuou entre a filha de Austin e Susan, Martha Dickinson Bianchi, de um lado, e Mabel Todd e sua filha, Millicent Todd Bingham, de outro. Curioso e triste é ver os poemas de Emily Dickinson transformados em butim cobiçado pelos dois lados em guerra. Entre 1924 e 1945, Martha Dickinson Bianchi, Mabel Loomis Todd e Millicent Todd Bingham editaram vários livros de poemas e cartas de Emily Dickinson,

esquilo (Small)Experiment to me
Is every one I meet
If it contain a Kernel?
The Figure of a Nut

Presents upon a Tree
Equally plausibly,
But Meat within, is requisite
To Squirrels, and Me.

Experiência para mim
É tudo o que encontro
Se contiver Caroço?
A Figura de uma Noz

Aflora numa Árvore
Igualmente plausível,
Mas Carne por dentro é requisito
Para os Esquilos, e para mm.

Faltava a essas primeiras edições o estudo paciente e detalhado dos manuscritos, a procura de apresentar os poemas na sua forma original, a fidelidade à expressão da poeta. Foi somente em 1955 que Thomas H. Johnson publicou um primeiro trabalho erudito de coligir e editar os poemas de Emily Dickinson tendo por referência os manuscritos da poeta, já então na biblioteca da Universidade de Harvard.

The Poems of Emily Dickinson. Ed. Thomas Johnson. Belknap Press of the Harvard University Press, 1955.

Em 1958, esse estudioso publica uma edição das cartas de Emily Dickinson.

The Letters of Emily Dickinson. Ed. Thomas Johnson and Theodora V. Ward. Belknap Press of the Harvard University Press, 1958.

E o mesmo autor edita em 1971 outra seleção das cartas da poeta.

Emily Dickinson: Selected Letters. Ed. Thomas Johnson. Belknap Press of the Harvard University Press, 1971.

Outro estudioso importante é Ralph W. Franklin, que já em 1981 publica um livro sobre os manuscritos de Emily Dickinson.

The Manuscript Books of Emily Dickinson. Ed. R. W. Franklin. Belknap Press of the Harvard University Press, 1981.

Mas foi em 1998 que ele editou 1789 poemas de Emily Dickinson com suas variantes em três volumes, a mais completa edição crítica de Emily Dickinson da atualidade.

The Poems of Emily Dickinson. Variorum Edition. Ed. Ralph W. Franklin. Belknap Press of the Harvard University Press, 1998.

Os poemas são apresentados em ordem cronológica com base numa nova datação. Cada manuscrito é tratado em detalhes, sendo preservadas a ortografia, as letras maiúsculas e a pontuação, os famosos travessões tão do agrado da poeta. O editor registra as leituras alternativas de Emily para os poemas, isto é, suas revisões, além de indicar toda e qualquer alteração ou correção feita por ele próprio. É também registrada a história da publicação dos poemas, incluindo as variantes. O livro contém 14 apêndices com tabelas e listas que apresentam mais informações, inclusive poemas atribuídos a Emily Dickinson. Em 1999, baseando-se em sua edição crítica de Emily Dickinson, Ralph W. Franklin publica uma edição de leitura dos poemas.

The Poems of Emily Dickinson, Reading Edition. Ed. R.W. Franklin. Belknap Press of the Harvard University Press, 1999.

No Brasil, foram muitos os poetas que traduziram poemas de Emily Dickinson. Cito apenas aqueles de quem tive a oportunidade de ler traduções – Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Augusto de Campos, Paulo Mendes Campos, Mario Faustino, Ana Cristina César, Paulo Henriques Brito. Dentre os livros com poemas seletos de Emily Dickinson em português, encontramos as traduções de Lucia Olinto, Idelma Ribeiro de Faria, Aila de Oliveira Gomes, José Lira, entre outras.

Rosaura Eichenberg

As fotos são de Fernando Eichenberg que visitou Amherst em 2011.

 


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