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Para John Middleton Murry [Verão 1913 – Londres]

Sou assim tão tirana, Jack querido, ou você fala apenas para implicar comigo? Acho que sou péssima administradora, e a casa parece exigir tempo demais, se não é cuidada com algum método. Quero dizer… quando tenho de arrumar algo duas vezes ou lavar coisas desnecessárias, fico terrivelmente impaciente e desejo estar trabalhando. Quantas vezes esta semana não ouvi você e Gordon conversando, enquanto eu lavava os pratos. Bem, alguém tem de lavar os pratos e arrumar a comida. Caso contrário – “Nada na casa para comer, só ovos”. Sim, odeio odeio ODEIO fazer essas coisas que você aceita de mim, como todos os homens de suas mulheres. Só consigo desempenhar o papel de criada de modo muito pouco convincente. Tudo bem para as mulheres que não têm mais nada para fazer… e depois você me chama de tirana e fica admirado por eu me sentir cansada à noite! O problema com as mulheres como eu é que não conseguimos nos abstrair do que fazemos, e segunda-feira, depois que Gordon, Lesley e você se vão, fico às voltas com uma mente cheia de fantasmas de panelas e fogões, e “Será que não vai faltar comida?”… e você me chamando (não importa o que eu esteja fazendo) “Tig, não vai sair o chá? São cinco horas”, como se eu fosse uma criada lenta.

Sinto pavor de mim hoje. Detesto esta mulher que “supervisiona” você e corre de um lado para o outro, batendo portas e derramando água, toda desarrumada com a blusa para fora e as unhas pretas. Tenho aversão e repulsa pela criatura que grita: “Você poderia, pelo menos, esvaziar o lixo e limpar as folhas do chá!” Sim, não é de admirar que você se mantenha em silêncio.

Oh, Jack, queria que acontecesse um milagre, que você me tomasse nos braços, beijasse minhas mãos, meu rosto, o corpo todo e dissesse: “Tudo bem, coisinha querida. Compreendo perfeitamente.”

Tudo por falta de dinheiro, suponho.

Mas eu amo você e me sinto humilhada e orgulhosa ao mesmo tempo. Que você não veja – que não compreenda, porém me ame, me deixa perplexa…

Você se encontra comigo na quarta-feira à noite, no Café Royal, lá pelas 10:30? Se não puder ir, me avise quarta de manhã… Voltarei e dormirei no “57”, se puder, apesar de não morar ali.


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