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Poesia

Cleber Teixeira

Para Cleber   Teixeira

Amigo, põe a mão aqui                             (1983)
onde não pára de vazar
a nota crua.
As riquezas deste mundo me são sombrias,
e eu preciso do apoio de teu braço
para ouvir o canto distante do pássaro
livre do ritmo desta
gota dura.

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Sem alarde                                                      (2013)
viraste a página,
decidiste fechar o livro.
Saíste a caminhar pelo chão batido,
invisível Van Gogh
semeando uma dúvida:
Não te vi marcando a página
para continuar a leitura?

Rosaura Eichenberg

 

Ao fim da noite de 22 de junho de 2013, quando a lua brilhava enorme sobre Santa Catarina, morreu o poeta e editor Cleber Teixeira. O tempo vive pregando peças nos humanos, mas é certo que, em meio às contradições, cada um vai urdindo o tecido que lhe permitem suas forças, engenho e arte. O pano entretecido pela vida de Cleber Teixeira é de uma simplicidade rústica e, ao mesmo tempo, refinada. Exatamente como os livros que produzia na impressora tipográfica da Noa Noa, sua editora artesanal. Simples, compostos letra por letra como nos primeiros tempos da tipografia. Com o recuo ao passado, Cleber conseguia criar livros de feitura singela, mas únicos na sua beleza entre os produzidos em nossa época. Uma resistência quixotesca à banalização do que sabia ser singular. Impossível esquecer seu olhar de júbilo diante da letra recém-impressa no prelo antigo.

Esse sonho que produzia em sua própria casa tinha começado com a vontade de imprimir os poemas que escrevia. Foi o poeta que gerou o editor artesão. Numa noite fria, em meio aos movimentos em câmera lenta de um aglomerado humano, nesses pontos em que os carros e os ônibus param na estrada, ao fundo uma casa meio retirada com uma luz fraca de lampião, o poeta exclamando em voz baixa, “a solidão desta gente”, pedindo silêncio diante do drama humano. Sim, um poeta capaz de deter as palavras no ar e virá-las pelo avesso. Foi diante do mistério da natureza em movimento que ele se curvou em Oito Poemas (Editora Noa Noa, 1980). Lampejos luminosos nas suas observações simples e refinadas

 VI

                                           Já primavera
                                           e a formiga a guardar
                                           restos do outono.

 refinadas e simples

 VIII

                                             O som de uma única
                                             mão que aplaude
                                             não interrompe a primavera.

Esse livro tem como subtítulo “Primavera de 80 em Sambaqui (Santa Catarina)”. Cleber Teixeira nasceu no Rio de Janeiro, cidade que muito amava, e ressentiu-se de a vida o ter levado a Santa Catarina, para onde se mudou em 1977 carregando a tiracolo seus amores, seus poemas, a oficina da editora Noa Noa. Foi comovente ler num jornal de Florianópolis que a cidade tinha amanhecido mais triste naquele domingo com a notícia da morte de Cleber Teixeira. Em meio às humanas contradições, amor cumpriu seu destino e imprimiu brilho intenso na lua que segue nos convidando a ler os seus poemas.

 

 

ACEITE, SENHORA

                                                                   Cleber Teixeira

Estes versinhos
que ora ensaio,
inquieto, inseguro;
indeciso entre falar e calar,
quando terminados,
se a tanto chegar
meu engenhoarte,
serão seus. São seus.
Não os recuse, senhora.
É o que tenho.
Pouco tenho, pouco dou.
Fosse eu troubadour de fato,
MarcabruDanielD’aurenga,
linha média, medievo,
primeva Provença… Ah!
Ah! Augusto/augusta
Provecta Provença
(re-vista, re-viva,
desadornada, depurada
verso a verso, verso e reverso…).
……
Agora, deixe-me só, sedutora anciã.

O tempo está curto,
as lembranças embaralhadas
e a casa por arrumar.
Deixe-me só.

                                                                          Editora Noa Noa, verão de 2005


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