Isis Alves da Silva vem de Barra, às margens do São Francisco. Viveu muitos anos em Niterói, onde se formou em jornalismo. Hoje, radicada em Portugal, os seus encontros com a poesia acontecem em Lisboa.
I
Direi que fui vencida
sem espada ou palavras
A pedra deslizou
e riu-se do meu passo
Direi que foi castigo
o beijo e seu motivo
Porque nos beijos
Também crescem desertos
Direi que não faz mal
se o paraíso
couber, prudente,
numa côdea de paixão,
roubada ao trigo
de três eternidades.
II
Quando acendo a manhã
nenhum gemido sonolento
expande a luz
Agora é sempre a dor do mar
que me desperta
com a sedição dos náufragos em seu ventre
A crueldade pueril dos deuses
lança canções de chuva
sobre as tumbas
Eu fecho os olhos
cansado de agonias
As noites nunca mais virão do fogo,
as noites, arca de cinzas, minha herança
Quando acordo a manhã desperto um outro
e o sol dos dias é a cólera das lembranças
III
Conta-me que sonhaste a chuva
e ficaste quieta
entrando docemente no rumor
daquela manhã ainda
sem mortes.
A primeira, do centro
de um vulcão ao sol.
Conta-me nesta carta
que só o desejo conhece
da repentina ternura nas tuas mãos
e do rubor insolente
despertos
por um riso sem rosto
além da janela e do silêncio
Conta-me vagarosamente
em longas linhas escuras
sobre o papel estreito
que não sabes de ti
mais que do tempo
que barganhaste com o futuro
todas as lembranças
e foste depois ao jardim
contemplar o bolor cobrindo as rosas
Conta-me
– e que eu nunca mais espere –
que aos sinos deste enfim
e estritamente
o ofício das horas
e pela mesma estrada
vais ao encontro do mar
com a primavera
a sangrar-te nos lábios.
IV
O inverno vai chegar
como a dor
um olho separando-se
lentamente
das pálpebras do sol