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Para John Middleton Murry [16 de novembro de 1919 – Ospedaletti]

16 de novembro de 1919

 

Que noite! Ventania, mar e frio. Esta não é certamente uma “cidadela pensativa”. Pela manhã a tempestade ainda assola. Uma calamidade! Gostaria de sair e dar um passeio, mas não ouso enfrentar o vento.

Que história é essa sobre o romance? Diz-me, ó pequeno olho entre os cegos. (É fácil descobrir quem tem sido meu companheiro de cama.) Mas falando sério, Bogey, quanto mais leio, mais sinto que todos esses romances não servem. Depois da leitura, fico como uma ovelha inchada a olhar para cima, sem ter sido alimentada. Entretanto, percebo que não se podem estabelecer regras. Não se trata absolutamente de um problema de material, estilo ou enredo. Só posso pensar em termos de “uma mudança no coração”. Não consigo imaginar que, depois da guerra, esses homens retomem os velhos fios como se ela nunca houvesse existido. Falando para você, diria que morremos e vivemos de novo. Como pode ser a mesma vida? O que não significa que a vida seja menos preciosa, “as coisas comuns da luz e do dia” tenham desaparecido. Não sumiram, ficaram antes intensificadas, iluminadas. Agora sabemos o que somos. É, de certa maneira, um conhecimento trágico: como se, mesmo ao reviver, víssemos a morte diante de nós. Mas através da Vida: aí é que está o principal. Vemos a morte na vida, assim como a enxergamos numa flor que acaba de abrir. Nosso hino é para a beleza da flor; gostaríamos de torná-la imortal, porque sabemos. Você também sente assim – ou de outra maneira – ou como?

Mas, é claro, não pense que com isso eu me refira a “então vamos comer e beber”. Não, para mim significa “valores de vasta eternidade”. Mas a diferença entre nós dois é (talvez esteja enganada) que eu não poderia sair falando a ninguém a respeito desses valores: eles são o meu segredo. Poderia escrever sobre um menino comendo morangos ou uma mulher penteando o cabelo numa manhã de vento, e esta é a única maneira como posso falar deles. Mas eles têm de estar presentes. Nada mais servirá. Podem avançar e recuar, fazer cortesias e cabriolas com a graça mais delicada que desejarem, que morro de tédio com tudo isso. Virginia [Virginia Woolf], par exemple.


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