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Para Richard Murry [1921 – Menton]

17 de janeiro de 1921

 

…É muito esquisito como a arte entra na escrita. Refiro-me aos detalhes. Par exemple. Em Miss Brill escolho não apenas o tamanho de cada frase, mas até o som de cada frase. Escolho o ritmo de cada parágrafo para que se ajuste à personagem e se adapte a ela naquele dia, naquele exato momento. Depois de escrito, li o conto em voz alta – várias vezes – assim como se executaria de novo uma composição musical – tentando chegar cada vez mais perto da expressão de Miss Brill – até encontrar o seu tom justo.

Não pense que me envaideço do pequeno esboço. É apenas o método o que eu queria explicar. Muitas vezes me pergunto se os outros escritores fazem o mesmo… Se um texto saiu realmente bem, parece-me que não deve haver nenhuma palavra fora do lugar, nem que seja possível eliminar qualquer palavra. Esse é o meu OBJETIVO quando escrevo. Vai levar algum tempo para eu chegar lá.

Mas sabe, Richard, pensava ontem à noite que as pessoas mal começaram a escrever. Deixe a poesia de fora por um momento e esqueça Shakespeare — falo de prosa. Pegue o que há de melhor. Eles não continuam seccionando a mente em vez de atacá-la por inteiro? Experimentei um momento de puro terror no meio da noite. Pensei de repente numa mente viva – uma mente completa – sem nada excluído. Com tudo o que se conhece, quanto não se sabe? Costumava imaginar que se conhecia tudo à exceção de um núcleo misterioso (ou que se poderia conhecer). Mas agora acredito exatamente no contrário. O desconhecido é muito, muito maior que o conhecido. O conhecido é apenas uma simples sombra. Isso é terrível e muito difícil de enfrentar. Mas deve ser enfrentado.


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