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Para Lady Ottoline Morrell [1918 – Londres]

 

13 de novembro de 1918

 

Meus pensamentos voaram para você assim que se ouviram os canhões. Abri a janela e realmente me pareceu – apenas naqueles primeiros momentos – que uma mudança extraordinária acontecera – não nos corações das criaturas humanas – não – mas no ar, parecia haver por um breve instante – um silêncio, como o silêncio que surge depois que a última gota de chuva caiu – sabe?

Foi tão maravilhoso – e vi que em nosso jardim um arbusto de lilás tinha acreditado no vento sul e estava coberto de botões…

Oh, por que o mundo é tão feio – tão corrupto e estúpido? Quando ouvi os bêbados passarem pela casa segunda-feira à noite, cantando as velhas bobagens embriagadas do período pré-guerra, senti um calafrio de horror. Eles não mudaram – e depois a publicidade revoltante sobre o grito da Alemanha por alimentos.

Meu amor desejando que as pessoas “se beijem e sejam amigas” –

Como é terrível saber que não vão fazer nada disso! Por que não correm uns para os outros, beijam-se, choram e partilham tudo? É possível sentir isso a respeito de nações – mas ai! A respeito de indivíduos também. Por que as pessoas se escondem, se retraem e desconfiam – como em geral fazem? Não acho que seja apenas timidez… como antes pensava. Acho que é falta de coração: uma espécie de praga sobre elas que nunca vai deixar que desabrochem completamente.

O pior é que não consigo aceitar tudo isso calmamente, como M., por exemplo, e dizer: “Muito bem. Então que sigam em frente.” Não, ainda me sinto cheia de amor – ainda desejo amigos encantadores – e será sempre assim, acho eu. Mas a vida é tão curta que os quero aqui, agora, imediatamente, antes do próximo Natal – seres radiantes – arrombando a minha porta –

Suponho que seja uma grande besteira.

Durante toda a semana passada traduzi o Diário da Revolução de Maxim Gorki. Acho Gorki maravilhosamente humano. Esse diário é terrível. Faz com que você sinta: qualquer coisa, qualquer coisa, menos a revolução…


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