a revista » Edição #1 » » Para John Middleton Murry [7 de novembro de 1920 – Menton]

Para John Middleton Murry [7 de novembro de 1920 – Menton]

7 de novembro de 1920

 

Tudo o que você falou sobre Elizabeth é extremamente interessante. O estranho é que ela só quer uma aparência masculina. É aí que está a sua falsidade essencial. Perdoe minha franqueza: ela não sabe o que fazer com um amante físico. Quero dizer, alguém com quem ir para a cama. Qualquer coisa, menos isso. Isso ela não suporta – ficaria assustada. Sua vida, seu ser, seu talento, sua vitalidade, tudo o que lhe dá forma depende de ela não se entregar. Às vezes me pergunto se o ato da entrega não é o maior de todos – o mais elevado. É um dos mais difíceis. Possível de ser realizado ou até compreendido por quem não faça parte dos aristocratas deste mundo? Veja, é tão terrivelmente complicado. Esse ato “exige” real humildade e, ao mesmo tempo, uma crença absoluta na própria liberdade essencial. É um ato de fé. Nos últimos momentos, como todos os grandes atos, é puro risco. Isso é verdadeiro para mim como ser humano e escritora. Deus do Céu! Como é difícil deixar acontecer – pisar no azul. Entretanto, a vida criativa depende disso, e é só o que se deseja fazer.

 *

Beijar é uma coisa estranha. Estava parada embaixo de uma árvore ainda há pouco – uma árvore que está largando belas folhas amarelas douradas sobre todo o meu caminho no jardim. De repente, uma folha fez as investidas mais etéreas para o meu lado, e no momento seguinte estávamos nos beijando. Através dos ramos prateados vê-se o céu azul-escuro… lápis-lazúli.

Acho que chegou a hora, realmente chegou a hora de namorarmos um pouco. Você já encontrou tempo para ficar parado embaixo de árvores e declarar o seu amor? Ou para sentar-se perto do mar e criar zonas perfumadas um para o outro? As rosas-chás estão em flor. Você conhece o perfume peculiar e refinado de uma rosa-chá? Sabe como o botão abre – tão diferente das outras rosas – e como os espinhos são de um vermelho bem escuro, as folhas quase púrpura?

Acho que deve ser a flor de laranjeira que Marie trouxe do mercado. Estive arranjando ramos em jarros e pequenas mudas em tigelas rasas de vidro. A casa tem um perfume como se o Sultão estivesse esperando a première visite de sua noiva mais jovem. Marie, parada perto de mim, cantarolava o tempo todo – quase cantava um hino ao ciclâmen sauvage qu’on trouve dans les montagnes [selvagem que se encontra nas montanhas] e às pequenas  violettes de mon pays [violetas de meu país] que crescem tão densas qu’on trempe ses pieds dedans [que afundamos os pés dentro delas].

Se viver mais tempo, vou-me tornar um arbusto de loureiro, ou você encontrará para lhe dar as boas-vindas apenas um jasmim. Talvez seja também o efeito de receber o sol todas as manhãs – très intime [muito íntima] – a dama vestida apenas com um leque preto de papel. Mas você tem que vir para cá; deve viver no Sul e esquecer o cinzento. É divino aqui – nada menos…


Copyright 2012 © Todos os direitos reservados à Íbis Literatura & Arte