a revista » Edição #1 » » Para John Middleton Murry [30 de outubro de 1920 – Menton]

Para John Middleton Murry [30 de outubro de 1920 – Menton]

30 de outubro de 1920

 

Sua carta de terça-feira chegou, informando-me que você pretendia visitar Achner (rapaz de juízo!) e que estava lendo a Sra. Asquith [a autobiografia de Margot Asquith]. Li certas partes desse livro e senti – apenas isso – que havia ali algo decente. Ao mesmo tempo, o livro todo me parece in-decente. Talvez sinta, mais que qualquer outra coisa, que ela é uma dessas pessoas que não têm passado nem futuro. Ainda é capaz, hoje em dia, de suas brincadeiras e loucuras de menina – na realidade está, agora e para sempre, à mercê de si mesma, assim como estava então. Isso é mau. Vivemos apenas ao absorver de algum modo o passado – modificando-o. Quero dizer, realmente examinando-o, separando o que é importante do que não é (pois há desperdício) e transformando-o para que se torne parte da vida do espírito e para que assim nos libertemos dele. Não é mais nosso passado pessoal, é apenas, no sentido mais elevado possível, nosso servo. Quero dizer que deixou de ser nosso mestre. Esta é a imagem errada. Antes achava que esse processo era bastante inconsciente. Agora sinto justamente o contrário. Com a Sra. A., este processo (pelo qual o artista e o “ser vivo” adquire vida) nunca acontece. Ela é sempre impelida pelas circunstâncias. Pertence à escola de Ottoline, não?

“I am the Cup that thirsteth for the Wine…”
“Sou a Taça com sede do Vinho…”

Essas meias pessoas são muito estranhas – muito trágicas, realmente. Não são nem gente simples – nem artistas. Estão entre os dois, mas têm os desejos (não, os apetites) de ambos. Acredito que seu sussurro secreto seja: “Se ao menos tivesse encontrado O HOMEM, poderia ter sido qualquer coisa…” Mas o homem não nasceu, e assim elas se voltam para a vida, desfilam, enfeitam-se, confessam, ousam – e se entregam ao que chamam de Vida. “Venham me cortejar – me cortejar.” Quantas vezes não vi esse sentimento em Ottoline, quando seu inquieto olhar distraído varria toda a verde paisagem…


Copyright 2012 © Todos os direitos reservados à Íbis Literatura & Arte