a revista » Edição #1 » » Para John Middleton Murry [1918 – Cornwall]

Para John Middleton Murry [1918 – Cornwall]

 

[7 de junho de 1918]

 

Durante toda a manhã uma chuvinha fina como névoa caiu em círculos, e as únicas pessoas sobre a plage eram as gaivotas. Avistei-as (quando saí da cama para buscar meus cigarros) quietas sobre a deliciosa areia molhada, em filas, esperando as ondas que chegavam pesadas, relutantes e suaves como se fossem de creme. Nunca tivera sob meus olhos tamanha visão de volúpia… Aí entrou Anne com algumas frutinhas para mim, sentou-se na cama, fumou e falou sobre os hospitais de Nova York, sobre o sentimento de desamparo do paciente e sobre o fato de a sensação de triunfo das enfermeiras ser apenas uma questão de ÂNGULOS. O paciente na horizontal etc. etc. Depois tomei um banho quente, me vesti, fui até East Looe e comprei um chapéu de abas largas (o de feltro é quente demais). O espelhinho de mão tinha um laço de esmeralda; parecia um gato. Quando me vi explicando para a moça – “o chapéu tem de parecer como que pintado na cabeça – parte da cabeça – um conjunto – e não uma protuberância” – e vi os olhos córnicos dela fitando-me – horrorizados, fui embora muito humilhada. Tudo tem um cheiro tão bom – oh, tão bom – e dois homens estão deitados de costas, pintando a barriga de The Good Fairy. Vestidos com macacões verdes, eles a pintam de vermelho vivo. O barqueiro diz que podemos contar com mais três meses de tempo bom. Você vai gostar dele. Sua embarcação chama-se Annie. Ele é especialmente bonito e fino – embora tenha apenas um olho – um só “braço” bom, e esse termina numa mão sem polegar. (Voou pelos ares naquela explosão. “Oh, ssim!”) De qualquer modo, não parece nem um pouco mutilado.

Está muito quente agora – “suave”, sabe – tempo de Cornualha. O mar, metade verde, metade violeta. Comi uma enorme, considerável costeleta dura de carneiro velho no almoço, enquanto todos os outros engoliam uma costeleta pequena, miudinha e magra. Isso causou um mau humor terrível.

     As senhoras: “Gostaria de ter pensado em pedir porção extra. Certamente que poderia ter feito esse pedido com a minha riqueza.” É claro que fingi que estava divinamente macia – dissolvia-se na boca – e tentei enviar cada talho na direção delas.

Nenhuma carta hoje – nenhum sinal. A Sra. Honey promete que chegará alguma à tarde. Confidenciou com a gerente: “Está no meu coração, e preciso desabafar. Amei muito o meu rapazinho querido…” Oh, se ao menos ela pudesse aparecer em Heron com sua “rapariguinha” para ajudá-la! Tem apenas um dente e é pequena, com faces cor-de-rosa, grandes e suaves olhos azuis e cabelos brancos. Mas como gosto dela!

Agora a maré está quase alta. Estive há pouco na sacada. Escutei um barco piando. É uma pequena e estranha chalupa com uma vela laranja e uma chaminé diminuta. Um homem a deixou seguindo em outra embarcação – sem remar, de pé, como se a empurrasse com uma vara em alto mar. A chalupa chama-se Eliza Mary e vem de Fy.

As pessoas têm nomes engraçados aqui – há um homem chamado Mutton [carne de carneiro] e outro, Crab [siri]. Por favor, você tem de me levar ao The Jolly Sailorman quando chegar. É tão encantador – e preciso ver por dentro.


Copyright 2012 © Todos os direitos reservados à Íbis Literatura & Arte