Setembro de 1921
O livro de Cézanne a Srta. só vai conseguir de volta se mandar um policial buscá-lo ou por meio de um requerimento urgente. É fascinante, e não imagina como apreciamos um livro desses nos topos de nossas montanhas. Muito agradável para mim. Não tenho o menor conhecimento de pintura. Só olho para os quadros como escritora, mas esses me parecem ser a coisa verdadeira. São o que se quer alcançar. Uma de suas figuras me causou um choque bem grande. É a cara de um homem sobre quem escrevi, um certo Jonathan Trout. Sem tirar nem pôr. Gostaria de poder recortar e colar a reprodução no meu livro.
Acabei de terminar meu novo livro. Concluído ontem à noite às 10:30. Larguei a pena depois de escrever “Graças a Deus”. Gostaria que houvesse um Deus. Tenho desejo de (1) elogiá-lo, (2) agradecer-lhe. O título é At the Bay. É o nome de uma longa história incluída no volume – uma continuação de Prelude. Cerca de 60 páginas. Trabalhei nela toda a noite passada. Minhas preciosas crianças sentaram-se aqui comigo, jogando cartas. Andei perambulando por toda espécie de lugares – entrando e saindo – espero que seja boa. É o melhor que posso fazer, e todo o meu coração e a minha alma estão na história… todos os seus pedacinhos. Oh, Deus, espero que dê prazer a alguém… É tão estranho trazer os mortos de novo à vida. Lá está a minha avó, de volta à sua cadeira com o tricô cor-de-rosa, ali meu tio anda a passos largos sobre a grama. Enquanto escrevo, sinto: “Vocês não estão mortos, meus queridos. Tudo é lembrado. Eu me curvo diante de vocês. Apago-me para que possam viver mais uma vez por meio de mim, com sua riqueza e beleza.” A sensação é a de estar possuída. Depois, o lugar onde tudo acontece. Tentei torná-lo tão familiar para “vocês” quanto é para mim. Conhece os cravos-de-defunto? Sabe daquelas poças de água nas rochas, conhece a ratoeira sobre o peitoril da janela do quarto da lavanderia? Além disso, tenta-se ir mais fundo – falar do ser secreto que todos temos – reconhecer isso. Não devo dizer mais nada a respeito.
Não, certamente não voltaremos tão cedo à Inglaterra. Às vezes, na cama à noite, planejamos as férias de cada ano, mas todos os outros lugares parecem mais perto que a Inglaterra. Se arranjarmos o dinheiro, vamos construir uma casa aqui, dentro de dois ou três anos. Já escolhemos onde vai ficar – para que lado a casa abrirá. Foi batizada de Chalét Content. Somos ambos sonhadores temíveis, especialmente quando é tarde e ficamos deitados olhando para o teto. Começa comigo. M. declara que não vai falar. É tarde demais. Depois ouço: “Certamente apenas dois pisos e uma grande lareira aberta.” Uma longa pausa. K: “Que me diz de abelhas?” M.: “Abelhas com toda certeza, e tenho pretensões a um bode.” A história acaba por nos deixar terrivelmente famintos, e M. vai buscar dois pedacinhos de bolo, enquanto esquento um pouco de leite na espiriteira.
Conhece Wingley? A Montanha [Ida Baker] o trouxe até aqui. Chegou com olhos imensos depois de ter voado por toda esta paisagem, e só ao cabo de várias horas é que o famoso ronronar entrou em ação. Agora está perfeitamente acomodado e lê Shakespeare conosco à noite. Gostaria de saber como é o Shakespeare-gato. Esperamos que escreva as suas memórias em breve. Serão encadernadas com pele de rato…
Até logo. Vou tirar uma folga hoje, depois do meu trabalho na semana passada. Ontem escrevi durante nove horas a fio.
Adivinhe quem apareceu no final desta carta? A Sra. H. G. Wells e os dois pequenos H. G. Wells. Meninos muito simpáticos. Estamos cheios de alegria.