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16 de outubro de 1921 [Suíça]

16 de outubro   Outro dia radiante. J. está datilografando minha última história, The Garden Party, que acabei no dia do meu aniversário. Levei quase um mês para me recuperar de At the Bay. Fiz pelo menos três tentativas falsas. Mas não conseguia me desprender do som do mar e de Beryl secando o cabelo na janela. Estas coisas não desapareciam. Mas agora não tenho mais certeza a respeito dessa história. Tenho a impressão de que é um pouco “esfarrapada” – não é o que poderia ter sido. G. P. é melhor. Mas também não é boa o suficiente…

Nos últimos dias, o que se nota , mais do que qualquer coisa, é o azul. Céu azul, montanhas azuis, tudo é um azul divino! Nuvens de todos os tipos – asas, suaves nuvens brancas, pequenas ilhas douradas quase concretas, grandes montanhas de fantasia. O dourado fica mais escuro nas encostas. De fato, na linguagem sóbria dos fatos, é a perfeição.

Mas o entardecer é a hora – das horas. Então, com esta natureza sobrenatural diante de si, não é difícil compreender até onde se tem de ir. Escrever algo que seja digno desta lua nascente, desta luz pálida. Ser “simples” o bastante, como alguém seria simples diante de Deus…

Outubro Eu me pergunto por que é tão difícil ser humilde. Não acho que seja uma boa escritora; tenho consciência das minhas falhas, mais do que qualquer outra pessoa. Sei exatamente onde falho. Entretanto, quando acabo uma história e ainda não comecei outra, eu me pego alisando as minhas penas. É desencorajador. Parece haver um velho orgulho ruim no meu coração, uma raiz que põe para fora um grosso rebento à menor provocação… Isso interfere muito com o trabalho. Não é possível ser calma, clara, boa, como se deveria ser, enquanto isto está no ar. Olho para as montanhas, tento rezar e penso em algo inteligente. É uma espécie de excitação que não deveria ocorrer. Acalme-se. Purifique-se. O que eu escrever neste estado de espírito não sairá bom; ficará cheio de sedimentos. Se estivesse bem, iria embora sozinha para algum lugar e me sentaria embaixo de uma árvore. Deve-se aprender, deve-se praticar o esquecimento de si mesmo. Só conto a verdade sobre Tia Anne se tenho a liberdade de entrar na sua vida sem a consciência de mim mesma. Oh, Deus! Ainda estou dividida. Sou ruim. Fracasso na minha vida pessoal. Tenho recaídas de impaciência, falta de controle, vaidade, e assim fracasso como tua sacerdotisa. Talvez a poesia ajude.

Acabei de tratar e limpar meticulosamente a minha caneta. Se depois disso vazar, não é um cavalheiro!


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