de revoada

30.01.2022 – Tempos de Guerra

 

O mundo está em guerra. Quem ainda não sabe deve ajustar as lentes de seus olhos. São tempos difíceis e sofridos.

Com esta realidade de pano de fundo, vale relembrar o filme “Casablanca”, pois talvez seja de grande ajuda ver como os homens do passado resistiram e sobreviveram a tempos sem respeito pela vida e pela humanidade.

Abaixo a letra da música que impregna todo o filme, uma celebração melancólica da luta humana que não pode ter fim as time goes by.    

 

You must remember this,
A kiss is just a kiss.
A sigh is just a sigh.
The fundamental things apply,
As time goes by.

And when two lovers woo,
They still say “I love you.”
On that you can rely.
No matter what the future brings,
As time goes by.

Moonlight and love songs,
Never out of date.
Hearts full of passion,
Jealousy and hate.
Woman needs man,
and man must have his mate.
That no one can deny.

It’s still the same old story,
A fight for love and glory,
A case of do or die.
The world will always welcome lovers,
As time goes by.

 

Rosaura Eichenberg

22.12.2021 – Amor existe

 

No Réquiem de Mozart, existe um trecho – Offertorium – que há muito tempo me deixou perplexa e me fez pensar. Até hoje é um mistério para mim o que escutei e escuto. Uma experiência auditiva muito individual e específica, mas acho que vale a pena registrá-la.

 

Offertorium

Domine Jesu Christi, Rex gloriae,

libera animas omnium fidelium

defunctorum de poenis inferni

et de profundo lacu.

Libera eas de ore leonis,

ne absorbeat eas tartarus,

ne cadant in obscurum

Sed signifer sanctus Michael

repraesentet eas in lucem sanctam

Quam olim Abrahae promisisti

et semini ejus.

Ofertório

Senhor Jesus Cristo, Rei da glória,

liberta as almas de todos os fiéis

defuntos das penas do inferno

e do lago profundo.

Liberta-as da boca do leão,

que não sejam tragadas pelo Tártaro,

nem caiam nas trevas.

Mas que o santo porta-estandarte Miguel

as represente na luz santa.

Como outrora prometeste a Abraão

e a toda sua descendência.

 

Na interpretação do maestro Herbert von Karajan, acontece uma coincidência quando as vozes se sobrepõem umas às outras ao cantar o texto. Trata-se de uma coincidência específica, porque não a encontrei nas interpretações de outros maestros. E também porque essa coincidência faz soar uma frase em português, minha língua que está longe de ser amplamente conhecida.

Trata-se do final do texto, quando cantam Quam olim Abrahae promisisti. A superposição das vozes resulta em

aaaaaaaaaaaaaaAmor é carne Amor existe.

Neste Natal, quando “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”, é um alento de esperança em nossas preces escutar que

aaaaaaaaaaaaaaaaaaAmor existe.

 

Rosaura Eichenberg

29.10.2021- A Room of One’s Own

 

A Room of One’s Own é um ensaio literário escrito por Virginia Woolf e publicado em 24 de outubro de 1929. Trata-se de uma tese sobre a posição da mulher na esfera da literatura. Virginia Woolf propõe que a mulher carece de um espaço próprio em que possa exercer sua criatividade e escrita, pois a sua lida diária nos afazeres domésticos e cuidados com os filhos a confinam num canto espremido de sua vida interior sem que tenha como se desenvolver. A certa altura Virginia Woolf pergunta: “Onde está a irmã de Shakespeare?” 

Como todo texto escrito por Virginia Woolf, as frases não têm como ser mais refinadas, precisas e elegantes. Mas a leitura prazerosa não encobre o fato de que se trata de um texto militante – e o grau de incompatibilidade entre militância e literatura é alto. O ofício de escritor exige um olhar bem mais amplo e aberto do que o foco intenso, mas restrito dos militantes.

Um dado chama a atenção no texto de Virginia Woolf. Ela escreveu o ensaio no início do século XX – o século XIX presenciou um desenvolvimento extraordinário do romance inglês. Ao ler o ensaio, impossível não pensar em Emily Brontë, Jane Austen e George Eliot, três escritoras superlativas, sem falar em tantas outras mulheres que brilharam na arena literária como a própria irmã de Emily Brontë.  Virginia Woolf fala em Jane Austen, a quem atribui as frases mais bem escritas na língua inglesa. Vindo de Virginia Woolf, é um elogio e tanto.

Resultado: depois da leitura desse ensaio tão bem escrito, o que vem à mente é que na Inglaterra do século XIX não havia falta de quartos próprios para as mulheres escritoras.

 

Rosaura Eichenberg

06.10.2021 – Sobre o amor – Santa Terezinha do Menino Jesus

 

  “À des amants, il faut la solitude.”

 

Ste. Thérèse de Lisieux   

 

 

Rosaura Eichenberg

05.10.2021 – Walt Whitman

 

To me the sea is a continual miracle,
The fishes that swim—the rocks—the motion of
the waves—the ships with men in them,
What stranger miracles are there?

 

WALT WHITMAN

 

Para mim o mar é um contínuo milagre,
Os peixes a nadar – as rochas – o movimento
das ondas – os navios com os homens dentro,
Que milagres mais estranhos haverá?

 

 

Rosaura Eichenberg

24.07.2021 – Where Have All the Rebels Gone?

Van Morrison e Eric Clapton são dois grandes artistas da música popular britânica. Em nossos tempos sombrios, revelaram ter a coragem de dar com sua música uma resposta altiva aos que querem escravizar a humanidade.  Van Morrison escreveu um blues contra os lockdowns, Stand and Deliver, Eric Clapton o cantou.

Os inimigos da humanidade ordenam – Stand and Deliver (Expressão comum nos assaltos na estrada ou na coleta de impostos).  A resposta/pergunta é – Do you wanna be a free man or do you wanna be a slave?  Pelo jeito, nem Van Morrison nem Eric Clapton deixaram que lhes enfiassem o medo no coração.

E alertam – You better look out, people, before it gets too late.

 

Stand and deliver

 

You let them put the fear on you

Stand and deliver

But not a word you heard was true

But if there’s nothing you can say

There may be nothing you can do

Do you wanna be a free man

Or do you wanna be a slave?

Do you wanna be a free man

Or do you wanna be a slave?

Do you wanna wear these chains

Until you’re lying in the grave?

I don’t wanna be a pauper

And I don’t wanna be a prince

I don’t wanna be a pauper

And I don’t wanna be a prince

I just wanna do my job

Playing the blues for friends

Magna Carta, Bill of Rights

The Constitution, what’s it worth?

You know they’re gonna grind us down, ah

Until it really hurts

Is this a sovereign nation

Or just a police state?

You better look out, people

Before it gets too late

 Van Morrison

 

 

Rosaura Eichenberg

20.07.2021 – Fariseus dos tempos modernos

Encontram-se fariseus na Bíblia com certa frequência. Uma explicação do significado de seu nome é fornecida por Hadriano Simon em Praelectiones Biblicae Novum Testamentum. A palavra fariseu tem origem hebraica – perushim (de parash = separar). Do hebraico passou para a forma grega – ϕαρισαιοι, isto é, fariseus = separados.  Não eram assim chamados porque evitassem o contato com os pagãos, pois separar-se dos gentios era comum entre os judeus. Eles evitavam o povo, de quem insistiam em se manter separados.

Em seus comentários sobre o Evangelho de São Mateus, Santo Tomás de Aquino comenta a malignidade dos fariseus. “Fariseus, isto é, separados, porque perversamente interpretavam, convertendo o bem em mal (Eclesiástico 11,33).” E mais: “Neles vemos um exemplo e tipo dos que não querem crer, para os quais não bastam nem os argumentos mais manifestos, porque, obscurecendo o intelecto com a malícia da vontade, enganam-se a si mesmos com vãos raciocínios.”

Em nossos tempos, as ideologias dominantes estão infestadas de fariseus. É verdade que, como os fariseus bíblicos, eles interpretam perversamente e convertem o bem em mal. Mas o que chama atenção é que, como na análise de Santo Tomás, 1) eles não querem ver a verdade – se Santo Tomás fala da verdade divina dizendo que eles não querem crer, os “fariseus” atuais nem querem reconhecer a realidade dos fatos. 2) Eles obscurecem o intelecto com a malícia da vontade – como querem ver apenas o que serve a seus interesses, o intelecto deixa de funcionar a contento. Por isso, não compreendem nem aceitam argumento algum, inviabilizando qualquer tentativa de discussão. 3) Eles se enganam a si mesmos com vãos raciocínios – tudo o que falam é um engano para si mesmos e para os outros, o que torna seus raciocínios vãos para usar o termo elegante de Santo Tomás. De maneira bem mais grosseira, diríamos que acabam em puro besteirol.

Interessante observar um dado nessa comparação entre os fariseus da Bíblia e os de hoje em dia. Conforme o significado da palavra fariseu, eles se mantinham apartados do povo. Um dos traços da ideologia esquerdista é o imenso desprezo pelo povo, que eles consideram apenas massa de manobra. Não sei se a ideologia global dominante é tão somente esquerdista, mas seus agentes certamente se apartam do povo no sentido de que não querem contato com a realidade.

A guerra tomou conta do nosso planeta. Um dos requisitos da defesa é conhecer o inimigo, por isso essa reflexão de Santo Tomás sobre os fariseus é oportuna.

 

 

Rosaura Eichenberg

17.07.2021 – Moby Dick

Dois comentários sobre o romance de Herman Melville me reavivaram a memória da leitura desse grande livro. Melville não é um escritor fácil – como quem não quer nada, ele conduz o leitor a meditar sobre temas que em geral estão muito além de nossa compreensão. Os textos de Melville sempre me causaram a impressão de eu pouco ter compreendido e um fascínio impregnado de medo pelo desejo de conhecer.  

Bartebly, the Scrivener foi a última história de Melville que li, e num momento em que me encontrava debilitada por uma fratura no ombro depois de uma queda na rua. Li desprevenida e gelei quando me vi mergulhada num conto de terror.

A leitura de Moby Dick é bem mais antiga. E o vislumbre da imensidão da minha ignorância tinha a cor branca da baleia que devora todas as cores. Entretanto, gravadas na memória como brasas incandescentes, estão as primeiras páginas da história. Ishmael – o narrador, “Call me Ishmael” – vagueia pela vila portuária com uma inquietação no coração, uma melancolia que não vai embora. Há um crescendo nos parágrafos até que ele chega à límpida conclusão – era tempo de se fazer ao mar.

Quando li esse começo de história, experimentei a sensação de já ter lido aquelas frases muitas vezes, há muito tempo. O mar sempre me fascinou, mas desde criança ele me amedronta. Adolescente, eu só queria ler livros tendo o mar como personagem, mas na praia eu não incorporava a audácia dos piratas. Por isso, é um mistério que a minha memória de Moby Dick seja este anseio de Ishmael. Se alguém me fala de Moby Dick, eu quase sempre me pego pensando se não está na hora de me fazer ao mar.

 

 

Rosaura Eichenberg

19.06.2021 – Wuthering Heights

A Inglaterra do século XIX presenciou um enxame de romancistas. Foi nesse período que Emily Brontë escreveu um único romance intitulado Wuthering Heights – em português, O Morro dos Ventos Uivantes – publicado em 1847. Ao morrer em dezembro de 1848, Emily Brontë tinha 30 anos, e que tenha produzido uma obra de gênio com essa idade continua a espantar seus leitores.

A família Brontë vivia em Haworth na região de West Yorkshire na Inglaterra. A mãe morreu cedo, e foi o pai pastor que procurou cuidar dos quatro filhos sobreviventes (o casal teve seis filhos). As três filhas, Charlotte, Emily e Anne, começaram a escrever desde muito cedo, apenas o filho Patrick Branwell não se aventurou pelo mundo da escrita. Charlotte Brontë, a irmã mais velha, estabeleceu até uma carreira literária que a tornou famosa. Mas seus romances de grande talento são modestos perto do único romance de sua irmã Emily.

Emily Brontë construiu seu romance no cenário de sua região natal, uma área inculta de morros cobertos de vegetação rasteira como as urzes. São os famosos “Yorkshire moors”, em português, os urzais de Yorkshire. A tradução “charneca” refere-se a outra possibilidade de significado, isto é, terreno pantanoso com muita areia, mas os ingleses compreendem “moors” principalmente como um terreno agreste com arbustos e grama rasteira numa ondulação de morros não muito altos.

O título do romance pode induzir a leitor a pensar numa região montanhosa, o que não é bem o caso. Wuthering Heights [Morro dos Ventos Uivantes] é o nome de uma propriedade rural no romance, assentada num morro fustigado pelos ventos. O romance é estruturado pelo contraste entre essa casa assolada pelo rugido das ventanias e outra propriedade rural situada na área plana mais embaixo, um terreno ao abrigo das intempéries. Se essa segunda casa representa uma vida já imbuída de aspectos civilizados, Wuthering Heights prima pela selvageria da natureza e pelos instintos humanos desenfreados. Não é à toa que no início do romance as três pessoas que habitam a casa de pouco conforto se odeiam e fazem de tudo para se maltratar umas às outras.

O personagem principal do romance se chama Heathcliff. Literalmente, penhasco do urzal. De origem obscura, talvez cigano, ele chegou a Wuthering Heights ainda menino, adotado pelo senhor da casa. Tratado como membro da família, mas ainda assim um estranho, ele tem uma linha de vida tortuosa, impulsionada pela paixão, pelo ressentimento, pelo ódio. Por meios nem sempre corretos, acaba adquirindo as duas propriedades rurais, a dos ventos ruidosos e a das brisas amenas. Mas isso não lhe proporciona nada de valioso na interação entre os personagens das duas casas, nem na interlocução consigo mesmo. O tempo não consegue mudar Heathcliff, ele não é flexível. É antes o penhasco cada vez mais em estado bruto.

Muitos artistas se debruçam sobre a natureza humana e recuam diante do que observam por não ser agradável. Desviam o olhar, camuflam os sentimentos e escrevem belas obras no vestíbulo, sem se atreverem a entrar na casa. Emily Brontë não recuou diante da natureza de seus personagens, observou Heathcliff sem tremer, olhos nos olhos. Por isso, considero seu romance uma obra de gênio, que proporciona a seus leitores a oportunidade de acompanhar o que pôde vislumbrar.

Há algum tempo, ao procurar fotos do cenário em que se desenrola esta obra-prima, eu me deparei com algo curioso. Queria fugir das imagens clichês das capas do livro, com árvores fustigadas pelo vento. Preferia fotos da região, dos urzais, do pequeno rio. Muitas fotos foram aparecendo, e a escolha se fazia difícil. Quando me decidi por uma ou duas, tive uma surpresa. Essas não são da Inglaterra, me disseram, mas do Rio Grande do Sul. Contemplei perplexa a semelhança da paisagem dos urzais da terra de Emily Brontë com os pampas da minha terra. Uma coisa é certa – a natureza não é amável nestas duas regiões, mas pode descortinar muita beleza a quem ali vive.

 

Rosaura Eichenberg

27.04.2021 – The Past is such a curious Creature

 

     The Past is such a curious Creature

     To look her in the Face

     A Transport may receipt us

     Or a Disgrace  —    

 

     Unarmed if any meet her 

     I charge him fly

     Her rusty Ammunition

     Might yet reply.

 

Emily Dickinson

 

 

O passado é uma estranha criatura 

Olhar nos seus olhos

Um Arrebatamento pode nos colher

Ou Abrolhos — 

 

Desarmado se alguém a encontrar

Eu lhe ordeno, fuja

Sua Munição enferrujada

Ainda pode replicar.

 

 

Rosaura Eichenberg

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