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19.01.2014 – Humpty Dumpty e as palavras

É grande o fascínio que as palavras suscitam. Em qualquer língua, elas revelam o espírito humano – ideias, emoções, o invisível dentro de nós. São certamente precárias, cheias de falhas na comunicação e na expressão, mas a linguagem é um dos instrumentos importantes que couberam à espécie humana. E mesmo com seu caráter fugaz, fragmentado, incompleto, seus recursos são infinitos.

Como a vida. Aliás, instrumentos de seres vivos, elas próprias têm vida. No dicionário podem adquirir uma aparência fossilizada, mas estão sempre prontas a retomar o ciclo vital. Os dicionários mais completos ou específicos registram suas mutações no tempo e no espaço. Por exemplo, basta dar uma olhada no tamanho dos verbetes do dicionário Oxford que indicam o uso da palavra ao longo dos anos, ou então examinar um dicionário de regionalismos. As palavras nascem, morrem, passam por mudanças, voltam ao passado, imaginam o futuro, enganam (essa é uma de suas características mais básicas), falam a verdade em meio a enganos, apontam para todas as direções e para lugar nenhum, entram e saem da moda, em suma, são precárias como a vida.

Um dos grandes mestres da literatura ocidental, o inglês Lewis Carroll (pseudônimo de Charles Dodgson) escreveu dois livros clássicos “Alice in the Wonderland” e “Through the Looking Glass” para as crianças e também para os mais velhos. No último livro, Alice tem uma conversa com Humpty-Dumpty, personagem das rimas infantis inglesas que possui a forma de um ovo, durante a qual esse lhe expõe uma teoria linguística. Depois de os dois discutirem os significados das palavras e Humpty-Dumpty explicar que paga às palavras um extra quando deseja que signifiquem mais alguma coisa, Alice retruca que a palavra que ele acabou de usar não tem o significado que está lhe atribuindo. Ao que ele diz:

Ilustração de Lewis Carroll

“Quando eu uso uma palavra”, Humpty-Dumpty disse num tom um tanto desdenhoso, “ela significa exatamente o que eu quero que ela signifique – nem mais, nem menos.”

“A questão”, disse Alice, “é se você pode fazer as palavras significarem coisas diferentes.”

“A questão”, disse Humpty-Dumpty, “é quem manda – só isso.”

Na lida com as palavras, o caminho é tão tortuoso como a vida e contém nossa cotidiana luta pela liberdade. Afinal, cabe a nós mostrar a Humpty-Dumpty, em todo e qualquer detalhe mesmo ínfimo do dia a dia, que o significado das palavras não depende só de quem manda. Depende do conhecimento adquirido e do estudo, da procura da expressão clara e da comunicação eficaz, depende do trabalho e esforço humano. A lida pode ser dura, mas é a nossa sina.

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