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08.12.2020 – Cleber Teixeira e o Jardim Botânico

 

Cleber Teixeira era do Rio de Janeiro, e foi ele quem me apresentou sua cidade quando vim de muda para cá em 1975. O lugar mais lindo, dizia ele, é o Jardim Botânico. Um segredo que não fazia questão de guardar, o Jardim Botânico morava em seu coração.

Eu o via atrapalhado quando falava de seus passeios com a filha Gabriela, porque a menina preferia brincar no Parque Tivoli a trilhar os caminhos do jardim. Mas ele acabava levando a Gabriela de vez em quando ao Jardim Botânico, e muitas vezes o acompanhei em seus passeios com a mulher e os filhos pequenos, até mesmo para comemorar o nascimento do João debaixo da grande sumaúma da entrada.

Com os anos passando, o Jardim Botânico seguiu sua vida com altos e baixos, como sói acontecer. Houve períodos de muito abandono, e chuvas e enchentes do Rio dos Macacos multiplicavam os sinais de nenhum cuidado. Ainda lembro que, em tempos muito ruins, os soldados do exército fizeram mutirão para limpar o jardim. Outras épocas experimentaram assaltos e falta de segurança, o que resultou, depois de grandes discussões, em grades ao redor do arboreto.

No início dos anos 90, realizou-se no Rio de Janeiro a conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, conhecida como ECO-92, e o Jardim Botânico teve de se engalanar para os encontros. Houve então uma série de convênios pontuais com a iniciativa privada para restaurar e recuperar certos tesouros históricos do jardim. Foi assim que se tirou da ruína o Museu – Sítio Arqueológico dos Pilões, endireitaram-se as armações de ferro das casas envidraçadas com suas exposições de plantas carnívoras e outros espécimens, arrumou-se o roseiral em círculos. A saga das estátuas de Narciso e Eco com o escritor Antonio Callado fez história ao lado das musas do chafariz.

Mais tarde comecei a praticar taichi no Canteiro da Restinga e acompanhei de perto todas essas vicissitudes, a lembrança do Cleber sempre iluminando meus passos pelo jardim. Num certo passeio antigo, um temporal estourou bem em cima de nós – eu estava com o Cleber, a Gabriela e uma amiga da Gabriela. Buscamos refúgio num dos mirantes laterais, e vi o Cleber acalmando a filha que estava com medo da chuva, mas também saboreando a beleza tão escondida no estrondo dos trovões e no aguaceiro que caía sem dó. Quando um lugar penetra na alma de uma pessoa, todo momento é motivo para descobrir mais algum detalhe, nova preciosidade, mesmo no meio das intempéries.

Hoje essa recordação vem me consolar, porque meu coração está chorando pelo Jardim Botânico. Ameaçam atacar mais uma vez o lugar mais lindo do Rio de Janeiro. Planejam demolir o Museu do Meio Ambiente e construir um hotel butique. Nem sei o que é isso, e imagino que o Cleber tampouco saberia. Há que aguardar, pois a esperança de que deixem o Jardim Botânico em paz é grande.

Minha mãe dizia para nós pequenos, quando um se machucava: vai passar. Tudo passa, mas a beleza do Jardim Botânico que vislumbrei pelas frestas do coração de meu amigo Cleber não passará. O Jardim Botânico foi inaugurado no dia de Santo Antônio — o grande santo de Lisboa haverá de proteger o nosso jardim.

 

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